ATENÇÃO: CONFORME AS NOVAS NORMAS DE SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO, EM 2018, MONGE E MONJA SÃO NOMES DADOS APENAS A RELIGIOSOS DE CLAUSURA PAPAL NA VIDA CENOBÍTICA, RATIFICO QUE NOS ARTIGOS QUE SE REFEREM A EREMITAS COMO MONGES, FAVOR DESCONSIDERAR, EREMITAS SÃO RELIGIOSOS DIOCESANOS, OU APENAS EREMITAS SE FOREM AUTÔNOMOS OU COM VÍNCULOS A MOSTEIROS.
Autora: Theresa Mancuso- 1996 –
Tradução: Teófilo Aparecido de Jesus
Observação: A vida eremítica é possível a ambos os sexos, no artigo a autora parece ter colocado o eremita como homem no sentido de pessoa humana. A autora é eremita urbana nos Estados Unidos. (Ir.Gema)
O monaquismo urbano funciona? O que é um eremita urbano? Como é por qual razão viver um estilo de vida monástico solitário dentro da cidade? Quem são essas pessoas?
Ao longo dos séculos, novas formas e expressões da vida monástica foram dadas, tanto na tradição cristã do Oriente como do Ocidente. E elas continuam a desenvolver-se hoje, na nova paisagem do mundo moderno, onde a vida do eremita, a do monge na solidão, não se limita ao meio rural, mas também encontra seu lugar na cidade. Os monges e monjas dos séculos XX e XXI serão eremitas e cenobitas, viverão em comunidades e em solidão, no campo e na cidade.
A vida monástica tem apenas uma regra: o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. O objetivo e o propósito da vida monástica é a união com Deus, a unificação da pessoa, a salvação humana, a iluminação e a sabedoria; numa palavra: a felicidade. Portanto, a vida monástica, em todo tempo e lugar é um esforço comprometido e consagrado de viver fielmente os preceitos de Cristo. A vocação monástica surge sempre e onde quer que seja, como uma resposta direta ao chamado da graça. O eremita urbano se acha imerso nos tesouros da tradição monástica, é uma expressão integral no aqui e agora dessa mesma tradição.
O carismático e audacioso Bede Griffiths, o beneditino que levou sua vocação monástica à Índia e depois retornou, escreveu em The Marriage of East and West, que:
Seja qual for o destino deste mundo atual, a necessidade real é encontrar um modo de vida que seja capaz de sobreviver a todos os seus desastres. Durante o Império Romano, foi a vida monástica que salvou o mundo […] os monges que fugiram para os desertos do Egito, Palestina e Mesopotâmia fundaram um estilo de vida baseado na oração e no trabalho sob condições da mais extrema pobreza e simplicidade; e completamente sozinhos, eles sobreviveram ao colapso do Império Romano […] seus ensinamentos e exemplos levaram à fundação de monastérios por toda a Europa, lugares onde a base da nova civilização seria encontrada. Hoje em dia (…) está havendo um ressurgimento da vida monástica em todo o mundo […] que são centros de fermentação que poderiam gradualmente transformar a sociedade e tornar possível uma nova civilização.
O mundo de Bede Griffiths talvez pareça estar longe das metrópoles barulhentas como Nova York, Chicago, Washington, Paris, Barcelona ou Hong Kong. Contudo, as verdades eternas a que Bede se referiu são os imperativos evangélicos que suscitam a existência da vida monástica; trata-se de maneiras novas e antigas, tanto hoje como ontem. Isso que levou Bede Griffiths a viver a sua vida monástica em um mundo distante, num Ashram Hindu, é o mesmo ímpeto que proporcionou solitárias aventuras monásticas no coração da cidade.
Não há geografia, tempo ou espaço onde o monasticismo não possa prosperar e onde a vida contemplativa não possa crescer.
A oração, o trabalho, a pobreza e a simplicidade são a base de um coração monástico. Seja sozinho, como um solitário ou eremita, ou estando no meio de uma comunidade, o caminho do monge e da monja é estarem imersos em Deus, concentrados no evangelho de Cristo que vive sua vida, respiração seu alento; é para ser mergulhado nos absolutos eternos sobre os quais não há dúvidas, nem geografia delimitada; nem barreiras de idade, tempo, lugar, cultura ou condição.
Em tempos passados, o deserto era uma cidade, de acordo com o DJ Chitty em seu clássico trabalho sobre monaquismo: The Desert a City. Hoje, talvez possamos dizer de outra maneira: a cidade é um deserto. Mas o que esse deserto, que é tão fundamental para a vida do monge, implica?
O deserto é a terra desolada e selvagem; a solidão árida e o profundo silêncio. O deserto é a reclusão onde o monge busca, em oração e penitência, o esvaziamento de si mesmo (kenosis), a livre renúncia dos desejos egoístas; é aí onde ele se esforça para o esvaziamento interior na expectativa do tempo de Deus (kairós), da manifestação da graça divina.
O eremita urbano é um tipo de monge entre os muitos que existem. E assim como monges em toda parte, está consagrado a Deus através de votos ou promessas sagradas, sejam públicas ou privadas, temporárias ou perpétuas. E são formuladas de maneira tradicional, com a pobreza, a castidade, a obediência e a estabilidade; ou podem ser expostos de maneiras criativas e inovadoras.
Mas o significado é o mesmo. O monge é um consagrado, oferecido, entregue ao serviço completo de Deus; inalterável em seu amor, cheio de uma extensa caridade que define seu coração como um amante do Senhor e compassivo com suas criaturas.
O amor sustenta o estilo de vida da vocação monástica. O monaquismo é uma vida de união e de unidade, de comunhão e de comunidade, de silêncio e de solidão, de profundidade e diversidade. O amor é o chamado; o amor, a vocação; o amor é o caminho, a via, o significado e a recompensa.
Deus, e não um inventor humano, é aquele que faz os monges. E ele os faz quando e onde quer que ele queira.
Quando toda a concentração do coração está fixa em Deus, a vocação monástica pode tecer um fio estranho. Talvez não seja mais o mesmo sonho que se tinha inicialmente ao embarcar-se na jornada monástica. Como a vida se desdobra, o mesmo acontece com o chamado de Deus. A consagração, a dedicação, a imersão em Cristo, isto é o que permanece; tudo o mais é circunstancial.
Portanto, à medida que a graça de Deus se desdobra na história humana de uma pessoa, a delicada sintonia de uma vocação monástica vai se ajustando ao indivíduo. Em outras palavras, quem somos e o que desde a mão de Deus e o ventre de nossa mãe, finalmente determina quem devemos ser e o que temos de ser. O mistério da santificação às vezes se vê condicionado pela transição, mas sempre e em todos os lugares repousa nas mãos de Deus.
Ser consagrado significa viver na presença de Deus, centrar-se nele, dedicar-se a ele, e pertencer-se a ele, não importa as condições de vida que, depois de tudo, são só o entorno, e não a essência da vocação monástica. Não é surpreendente, então (não deveria ser), que encontremos monges e monjas vivendo sozinhos na cidade, a anos de distância e a quilômetros de onde sua jornada monástica começou. Isso também faz parte do mistério da salvação.
A bela Regra de Vida, criada há quase vinte anos atrás pelo Pe. Pierre-Marie Delfieux para a Comunidade de Jerusalém, monges da cidade, diz:
[…] Você pode viver no coração de Deus estando no coração da cidade, pois este também é o seu lugar de residência. Seja um monge ou monja no coração da cidade de Deus “(N ° 128).
E isso é verdade tanto para os indivíduos como para as comunidades. Na ausência de um apoio financeiro que possa conceder a ilusão de segurança e confiança, ao mesmo tempo permitir uma separação completa do mundo, o eremita urbano tem que sair todos os dias para enfrentar a confusão e agitação da cidade apenas para viver E é exatamente assim que tem que ser.
Ser “um monge ou monja no coração da cidade de Deus” é trabalhar no meio da humanidade, sofrer os problemas e dificuldades do trabalho, a disciplina das tarefas que fazem parte do local de trabalho. Trabalhar no mundo real não é uma distração; é, antes, um chamado ao mais generoso e absoluto imperativo: focar no coração, voltar-se para dentro enquanto se permanece no trabalho do lado de fora. Não há dualidade nesse processo. É um ato de unificação, parte e parcela da experiência monástica: ora et labora (reze e trabalhe)
A tarefa de equilibrar a vida interior contemplativa com o trabalho externo, se se estiver no centro da cidade, requer uma perseverança particular. A princípio, parecerá impossível permanecer contemplativo na atmosfera agitada da cidade. Mas não, não é impossível. O coração clama a Deus: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador” e vai aprendendo, pouco a pouco, a orar com facilidade em meio à atividade barulhenta e do frenesi selvagem da cidade. Com o tempo, o monge no mundo entende que o centro mais profundo é a própria força impenetrável da alegria, da fé, do espírito e da vida.
Mais tarde, em sua regra, o padre Pierre-Marie diz:
O que os primeiros monges saíram para buscar ontem no deserto, você encontrará hoje na cidade. Toda a vida monástica é uma luta, e o monaquismo urbano chama os lutadores (de) […] Seguidores de Cristo: as bem-aventuranças os convidam para uma vida de verdadeira luta no coração da cidade (nº 129).
Não há proteção alguma, exceto Deus, para o eremita urbano que vive e repousa no mundo real, no meio de uma realidade tão dura e nua como sempre foi o coração do deserto. Como os Padres e Irmãs do Deserto, o eremita urbano conhece o isolamento e a ameaça da natureza selvagem, o rugido das feras e a tentação do coração. Encontrar a paz na cidade é andar com Deus no centro mais profundo do próprio ser.
O Monastic Typicon de New Skete (1980) diz o seguinte sobre o trabalho:
Ao longo da história, os nossos pais e irmãos na vida monástica têm ensinado que o trabalho não só é necessária para o sustento, mas é igualmente importante como um meio de autodisciplina e como uma ajuda para a oração, adoração e o pleno crescimento individual. O trabalho, portanto, é parte e parcela integrante de nossa vida, especialmente porque é essencial à vida monástica em geral (números 71 e 72).
O eremita urbano, ligado ao trabalho para as mesmas necessidades que caracterizam todas as pessoas, terá sorte se puder obter seu sustento diário fazendo o trabalho em sua casa, dentro da poustinia; mas nem sempre isso acontece. Na verdade, raramente é possível. O monge que está no mundo deve aprender a se adaptar para trabalhar sob as condições próprias de uma determinada profissão ou em qualquer outro lugar, seja uma tarefa manual ou intelectual. O trabalho reúne o monge com pessoas de todo o tempo e lugar. “Comerás o pão com o suor da tua face” (Gn 3,19); com o tempo, o próprio trabalho será doce para o monge, porque é apenas outra expressão do canto interior do coração: “Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”.
Dizem que o hábito não faz o monge. Nem o trabalho. O que é essencial na espiritualidade monástica é que o trabalho e qualquer outra dimensão da vida sejam caracterizados por um espírito interno de recolhimento, pureza de intenção e total atenção. O trabalho é um processo de santificação, não uma distração. À medida que avançamos mais e mais nas profundezas da fé para realizar adequadamente a nossa própria tarefa, tanto o trabalho como o trabalhador ver-se-ão imersos e banhados pela luz da presença divina. Deste modo, o monge que está no mercado (de trabalho) se encontra como em casa no mundo de Deus.
Na contemplação em um Mundo de Ação, (Contemplation in a World of Action) Thomas Merton escreveu, décadas atrás, o que pode talvez ter sido o prelúdio para os monges no mundo de hoje: “Será que realmente escolhemos entre o mundo e Cristo, como se fossem duas realidades em conflito totalmente opostas? Ou escolhemos a Cristo escolhendo o mundo como é nele, ou seja, criado e redimido por ele? Será que realmente renunciamos a nós mesmos e ao mundo para encontrar Cristo, ou renunciamos a nosso “eu” alienado e falso para escolher nossa verdade mais profunda, escolhendo tanto o mundo quanto Cristo ao mesmo tempo? “
O eremita urbano, quer esteja imerso na solidão ou no trabalho fora de sua ermida, procura integrar a vida contemplativa da Poustinia com o mercado de trabalho onde se ganha a vida. Renuncia o falso eu e a transcendência do espírito deste mundo, através da prática interior de recolhimento e da oração contemplativa, purifica o coração e transforma o melhor esforço numa harmonia pacífica que define a maneira correta de sustento.
O monge é chamado por Deus para viver sozinho nele:
Monos/monachos = um; sozinho; solitário.
Estando em comunidade ou em seu eremitério, o monge se esforça para ser alguém com um único ponto de concentração [focus]. Dentro do mercado de trabalho, o monge é um testemunho vivo da santidade do trabalho, da bondade do mundo e da salvação da terra pela misericórdia de Deus. Haja vista que a humildade deve caracterizar a vida de um monge, a simplicidade, a caridade, a bondade, a ternura e a compaixão exemplificam o desprendimento do coração que mantém livre o eremita e aquilo que lhe capacita para viver no mundo sem ser mundano.
O eremita urbano se esforça para renunciar ao que é mundano (centrar-se em si mesmo, ser egoísta, arrogante, oportunista e falso) para descartar essas atitudes mentais que impedem a sua comunhão com Deus e a harmonia com as criaturas deste frágil planeta. O coração puro do solitário de Deus aprende a retornar ao mundo quantas vezes for necessário; não como um aventureiro que busca prazeres ou o poder material, mas como crucificado em Cristo, transfigurado por Cristo, restabelecido à inocência e à santidade da vida. Gradualmente, a alma do monge – é o que se espera – torna-se transparente, límpida, vazia e transbordante com a alegria que só vem de Deus.
O “Monastic Typicon” (tipógrafo monástico) da New Skete afirma que:
Oração e adoração são as principais preocupações da vida monástica. Através das celebrações litúrgicas, os monges participam dos mistérios da vida e da morte de Cristo, abordando as realidades universais da ressurreição e transfiguração (n. 60).
O eremita urbano, em comunhão com os monges e monjas de todos os tempos e lugares, vive, desse modo, o mistério pascal do Senhor, ao entrar nas celebrações litúrgicas, quer na liturgia das horas, quer na Eucaristia.
O ofício divino estabelece as horas do dia, conduzindo a alma em espiral através da salmodia: elevando-a, baixando-a, voltando-a para Deus e devolvendo-a à terra. O eremita urbano, que trabalha no mercado de trabalho do mundo, não pode se dar ao luxo de cantar tercia, sexta ou nona durante o dia. Mas sua oração interior nunca deve cessar, o acompanha em todas as suas ações, nos trabalhos de interação social, em todos os momentos e lugares em que somos mais livres para entrar profundamente na oração da Igreja.
O eremita urbano tenta celebrar o máximo possível as várias horas do ofício divino do dia, pois a vida no mundo exige que o monge cuide de suas tarefas sem perder o centro de sua vocação. Estão aí prima, laudes, matinas, vésperas, completas. Pelo menos parte das horas regulares deve ser celebrada estando ele sozinho ou na sua paróquia. Em algumas ocasiões, o eremita urbano pode se juntar a alguma comunidade religiosa para a observância da oração litúrgica.
A sabedoria do deserto é agora a sabedoria da cidade, da cidade de Deus. Seria insensato alguém carregar-se demais tentando trabalhar de 35 a 40 horas por semana fora do eremitério enquanto espera completar a liturgia das horas. Deus não precisa do impossível. A regra da fé é simples: faça o que é possível; faça o que puder. E faça o melhor que puder, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu ser. Concentre-se no melhor da sua existência no que você dá a Deus, sem esquecer o que você dá às pessoas.
Qual é a diferença entre o monge mascate do selvagem Egito, que de vez em quando saía para vender seus produtos no mercado, e o monge de hoje que trabalha com um computador no centro de Manhattan e tem que ir para o Brooklyn ou Queens pelo metrô? O que importa é o espírito, o coração do monge, a substância interior. O que define a vocação monástica é a singularidade de sua concentração.
A oração que é íntima e que se desdobra a cada momento, a cada hora, consolida nossa união com Deus e impulsiona a conversão de nossos corações repetidas vezes, tornando sagradas não só nossas pobres e frágeis vidas, mas também tudo o que tocamos e todos nós amamos. O monge é fermento no mercado de trabalho e permanece assim para apreciar e usar proveitosamente o silêncio e a reclusão de seu eremitério, mesmo quando ele passou muitas horas fora dele.
A liturgia das horas é, do começo ao fim, a maior celebração do coração e do centro da vida monástica. É a alegria dos cristãos e a alma do monaquismo. Cantar o ofício divino é entrar de novo e de novo no eterno mistério de Cristo. Em cada tempo litúrgico, seus textos ensinam o coração, renovam o espírito e unem a humanidade a Deus na pessoa de Cristo, o único que ama a humanidade.
Em grande medida, o monge pode celebrar a liturgia das horas em uma igreja da abadia com a comunidade de irmãs e irmãos, ou na igreja paroquial em qualquer lugar da cidade ou do meio em que vive. Isso não importa. No centro da liturgia está o sentido pleno da vocação monástica: morrer e ressuscitar com Cristo segundo a vontade do Pai a respeito da redenção do mundo.
A Eucaristia é o alimento da vida monástica, é o seu sustento e a sua alegria. Encontrar um monge que não gosta da liturgia é encontrar um tipo de monge ruim. Portanto, se deve dispor de tempo e para participar apropriadamente da celebração da Eucaristia. Ela é o coração e o centro da vida monástica. Pacômio e os monges da cristandade oriental celebravam a eucaristia semanalmente, mas o privilégio e a prática do rito latino a celebram diariamente.
Os cantos litúrgicos que acompanham a Eucaristia fornecem sustento espiritual para a contemplação. O eremita urbano sai da igreja depois de participar na liturgia e retorna à cidade, volta ao lugar oculto de sua Poustinia trazendo a riqueza da Escritura que foi lida durante a Eucaristia. Se for um pequeno apartamento num complexo residencial ocupado (ou) num lugar vasto industrial ou profissional, o canto e o significado da Liturgia das Horas e da Eucaristia permanecem com o eremita durante todo o dia, todos os dias, alimentando seu coração e sua mente com aquilo que permanece: o sopro vivo da vida contemplativa.
Finalmente, o eremita urbano aprende a proteger a reclusão religiosa e a solidão, que proporcionam a profundidade do silêncio e da concentração, indispensáveis para a vida monástica. A integridade deste modo de vida e a constância pessoal do monge a esta vocação, surgem da fonte de silêncio e solidão que amadurecem na reclusão. No entanto, o monge da cidade nunca deve se tornar um eremita preocupado consigo mesmo, alguém cuja tendência ao isolamento surja do auto-engano, como se o mundo fosse algo contagioso que ele tem que evitar a todo custo. Uma solidão equilibrada surge de uma visão saudável da realidade. O oposto é um tanto defeituoso.
Viver no meio do mundo como um eremita urbano não é sacrificar ou minimizar a qualidade essencial da reclusão e da solidão necessárias para a vida contemplativa. Os eremitas urbanos geralmente não são reclusos. Voltar-se para o interior de si mesmo para a contemplação é uma disciplina do coração, não um ato de paredes e defesas. Os monges de todo o mundo têm que ir e vir enquanto apreciam e protegem o santuário interior da reclusão monástica, elemento essencial da vida do eremita. Eles fazem isso ao estabelecer e manter os limites apropriados.
A hospitalidade e as necessidades sociais fazem parte da realidade, essenciais para o equilíbrio psicológico e espiritual, nem mais nem menos. Elas, além disso, precisam ser harmonizadas, como tudo o mais, com a realidade da vocação do monge da cidade. Acima de tudo, o eremita urbano deve aprender a equilibrar sua reclusão e sua implicação secular, porque, estando sozinho, é urgente entender o que constitui uma reclusão monástica necessária no mundo e o que constitui o estar fora.
Os extremos podem ser melhor abandonados pelo estudo dos evangelhos de Jesus Cristo. O Senhor retirou-se para orar, descansou no deserto e depois voltou para a cidade. Da mesma forma, o monge no mercado de trabalho precisa se separar do mundo. Se os monges hoje têm que ser o sal do mundo, “o mosteiro” deve ser acessível a todos, de modo que eles, que estão no mundo e entram em contato com a vida monástica “possam saborear sua vida, sua adoração e sua mensagem “(Monastic Typicon of New Skete, No. 28).
O monge que deixa o santuário silencioso de sua ermida oculta para ir ao centro da cidade e caminhar entre os povos do mundo, o faz por necessidade e generosidade; ele faz isso para que o mundo saboreie e desfrute a vida consagrada, o que ela é e o que significa, convidando o mundo a participar da adoração e da mensagem da vocação monástica. Não devemos nos esconder da vida, mas abraçá-la, imergir todos os aspectos dela no mistério de Cristo à medida em que nossa existência entra na realidade da Páscoa; desde nosso batismo até o dia da nossa vocação. Assim, tudo é transfigurado pela graça de Deus e tudo participa da transfiguração de Cristo.
Para o eremita urbano, esta integração harmoniosa de todas as coisas é o centro da vocação monástica. É desse modo exato que sempre foi para a vida monástica ao longo de sua história. É o ponto fixo de um mundo que gira, o lugar onde Deus e a humanidade se encontram e onde a centelha da sabedoria brota para iluminar a terra.
Eu gosto de pensar que, se, de repente, Bede Grifftihs ou Thomas Merton, ou qualquer um dos grandes monges e monjas que são nossos antepassados espirituais participassem de um dia ou uma semana na vida de um recluso urbano, se sentiriam o suficiente confortáveis Eles reconheceriam o ritmo da oração, do silêncio, da solidão, do trabalho, da hospitalidade, do estudo, da lectio divina e da liturgia.
Aqueles grandes seguidores de Santo Antão, pai do monaquismo egípcio; ou de São Bento, que codificou a vida monástica; ou dos muitos que existiam entre eles, reconheceriam no eremita urbano, no monge do mundo, o mesmo desejo por Deus que os conduziu durante toda a jornada espiritual. Eles reconheceriam o caminho, porque é apenas um: abandonar tudo, abraçar tudo; embarcar em uma viagem do coração através da escuridão e de lugares desolados, remotos e selvagens, no deserto e na cidade; lugares onde a vocação monástica prospera e onde Deus encontra a humanidade num singular abraço de amor.
Referências
– Chitty, D.J. 1961. The Desert a City. Oxford: Basil Blackwell.
– Griffiths, Bede, 1982. The Marriage of East and West. Springfield, Illinois: Templegate Publishers.
– Merton, Thomas, 1971. Contemplation in a World of Action. New York: Doubleday.
Ao alcance mas desacompanhado.
Eu passei minha vida desajeitada em busca de maravilhas,
de prodígios para desfrutar e que me surpreenderam.
O comum não cativava minha atenção,
todos os dias minha alma reivindicou o mistério.
Eu invejei aqueles que viveram quando Cristo pregava,
que viram seus portentos com apenas uma palavra.
Que evento o de um homem cego que de repente visse!
que um leproso se limpasse, que os surdos ouvissem!
Mas, quão idiota sou com esse desejo
com minha busca por um milagre para ver!
Eu deixei meus dias passarem sem nunca perceber
que o milagre foi que Deus estava me criando.
James F. Finley.
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Fonte: Mancuso Theresa, 1996. The Urban Hermit: Monastic Life in the City, Review for Religious, 55. 2, pp. 133-142.
- do trad. do inglês .: a autora é uma eremita urbana que mora no Brooklyn e trabalha no Departamento of Probation, na cidade de Nova York. Ela era professora, depois uma freira contemplativa e agora dedica-se a escrever extensivamente sobre a vida espiritual.